O PILOTO E SUAS DECISÕES
artigo reproduzido de http://aeromagia.net/2013/04/07/julgamento-e-decisoes-ao-voar/
Você toma decisões todos os dias. Desde
que acorda, você deve decidir como vai se vestir, como vai organizar seu
dia, etc. Essas decisões ocorrem naturalmente, sem pressões, porque
elas não trazem riscos. No máximo, você se arrisca a passar calor com
uma roupa que não escolheu direito, ou então pode perder 5 minutos
fazendo um caminho maior na ida para o trabalho.
A questão do risco é que
efetivamente faz com que as decisões a serem tomadas na condição de
piloto não tenham nada a ver com o que você decide no dia a dia. Não se
trata de critérios de conforto ou de eficácia, mas da sua própria
segurança, sua integridade física.
Ora, um mau julgamento está na origem da maioria dos acidentes. Eis o que conclui o órgão responsável pela segurança área francesa (BEA):
“Os erros de julgamento que conduzem os pilotos à tomar más decisões
constituem uma grande parte das CAUSAS dos acidentes. Ajudar o piloto a
tomar decisões pertinentes é portanto crucial para a segurança dos
voos.”
UM PROCESSO MENTAL
A tomada de decisão por parte de um
piloto é um processo mental que consiste em escolher as ações mais
adequadas diante de uma situação determinada. Ela compreende 4 etapas, a
seguir exemplificadas:
Você planejou fazer um voo de navegação hoje, mas o teto está baixo e a visibilidade medíocre.
1 – Você identifica o problema: É razoável partir nessas condições?
2 – Você analisa as diferentes opções: É
manhã de verão, as nuvens baixas podem subir e se transformar em
cumulus. Você pode esperar a visibilidade melhorar, ou então fazer um
voo visual por contato, seguindo o curso de um rio que passa logo
adiante, na região.
3 – Você escolhe uma opção. E decide
exatamente pela segunda alternativa, partindo sem esperar mais. Não há
senão 5 ou 6 km de visibilidade, você não está muito animado com essas
condições, mas, se seguir visualmente o rio você imagina que poderá
manter a navegação sob controle.
4 – Você aplica essa opção, verifica as
possibilidades, e dá partida ao processo. Após a decolagem, você toma o
rumo, e, como previsto, após 3 minutos de voo, você percebe o rio que se
aproxima logo adiante. Você faz uma curva para segui-lo, e logo o sol
fica bem à sua frente. A visibilidade não é mais a mesma, você enxerga
apenas o reflexo do rio, e decide fazer meia-volta. Você tomou uma
primeira decisão que se mostrou ruim tendo em vista seu grau de
experiência, mas reagiu perfeitamente tomando uma segunda decisão
rapidamente: efetuar meia volta para evitar uma situação desconfortável,
com riscos inúteis.
O FILTRO DO SEU JULGAMENTO
O “julgamento’ é a conclusão de um raciocínio
que você utilizou com fins de decidir algo. Ele é baseado em uma
avaliação de fatos. Sua objetividade pode ser falseada por emoções.
Quanto mais você for racional na sua análise, menos sua avaliação será
influenciada por emoções (ex: stress) ou motivações particulares (ex:
pressão exterior). A qualidade do seu julgamento vai depender da sua
experiência, das suas capacidades, da sua motivação.
A QUALIDADE DAS SUAS DECISÕES
A qualidade das suas decisões vai
depender dos seus recursos no momento, e da maneira com que os
administra. Atenção: uma só causa, em apenas uma categoria de recursos,
poderá te conduzir a tomar uma má decisão. Sobre essa questão, o
essencial é:
1) Seus recursos pessoais:
seu comprometimento durante a preparação do voo, ou durante o próprio
voo, é o primeiro ‘filtro’ – são recursos pessoais. A somatória de todos
seus recursos que lhe são próprios irão condicionar seu engajamento e
portanto a qualidade de suas decisões.
Entre esses recursos ‘pessoais’, suas intenções decorrem da pressão
exterior e de outros fatores aos quais deve-se ficar atento. O stress,
se existe, irá degradar suas capacidades. Se você quiser voar a todo
custo (intenção) quando as condições não forem ideais (adicionando
stress), a qualidade do seu ‘compromisso’ com a qualidade do voo será
medíocre.
Intenções (querer agir) + Stress (poder agir) = Compromisso com o voo
-Você prometeu a seus amigos de
levá-los para voar, eles estão esperando, e as condições climáticas não
são lá muito ‘terríveis’: apenas vento forte de través – embora você não
seja muito bom em voar assim. Você decide decolar, sob a pressão do
momento, enquanto numa situação normal você ficaria no solo. Uma vez em
voo você não está à vontade, e começa a se estressar pensando em como
será o pouso – e você tem razão, porque suas capacidades de pilotagem
não estão à altura da situação.
2) Suas competências não-técnicas: A gestão dos riscos do ambiente que lhe cerca.
Essas competências são estreitamente
ligadas à sua consciência situacional, que por sua vez irá condicionar a
qualidade da sua percepção e análise. Um exemplo disso é quando, no
volante do seu carro, você diminui a velocidade ao perceber um garoto
jogando bola perto da rua.
Comprometimento + Experiência + Análise = Consciência Situacional
-Você decide sobrevoar uma grande
região montanhosa, e no momento em que decola você não sabe que há um
vento de 20 kt na crista das elevações. Assim, seu sobrevoo das
montanhas corre o risco de se tornar algo bem ‘esportivo’, talvez até
mesmo perigoso.
-Você está fazendo um voo local com
seu planador e aproveita para ficar observando uma chuva que se
aproxima. Então o vento muda de direção sem que você perceba, e ao final
do voo você se aproxima para o pouso com uma dezena de nós a mais de
vento de cauda.
É a partir da sua consciência situacional que você irá pesar, julgar e finalmente decidir.
3) Suas competências técnicas: A máquina.
De qualquer forma, uma vez tomada a
decisão (ou então na ausência de decisão) o que fará pender a balança é o
nível de sua competência técnica, seja no caso de você ser capaz de
dominar a situação, seja no caso da situação extrapolar você. Tenha 50
ou 500 horas de voo, todas as decisões deverão ser pesadas em função do
nível de suas competências técnicas. Não queira resolver fazendo o que
não sabe. Pense nisso antes!
A CAIXA PRETA DO PILOTO
Esses recursos portanto se interligam
todos entre si antes de ocasionar uma tomada de decisão que será a
origem do seu ‘julgamento’.
- Um encontro de aviões está previsto
para um local onde as condições meteorológicas estão ruins. Os aviões
devem chegam cada um de direções diferentes. Alguns partem para lá,
outros decidem esperar, outros, já em voo, refazem o trajeto, outros
chegam ao destino, e outros se colocam em apuros. Qual terá sido o
julgamento de cada um?
-Durante um campeonato de voo à vela
em uma região de morros, as condições de voo não são excelentes e chega
um momento em que os competidores devem decidir se continuam um trajeto
retilíneo, mas que passa dentro de um vale pouco acolhedor e que não
dará opção de retorno, ou se aumentam ou pouco o trajeto e passam por
uma região mais “adequada” e menos inóspita. Muitos pilotos, apesar dos
riscos, decidirão prosseguir no caminho mais direto.
Consciência situacional + Julgamento = Decisão
Nesses exemplos característicos,
numerosas decisões foram tomadas. Algumas foram guiadas pela prudência,
outras pela ignorância ou pela falta de experiência, outras ainda pela
pressão externa. E às vezes você estará diante de situações onde as
decisões não serão tão fortemente evidentes. Então, não esqueça alguns
conhecimentos básicos sobre o ser humano, como por exemplo o fato de que
temos sempre tendência a subestimar os riscos, e que, sobretudo, você
como piloto desportivo voa por lazer, e não por obrigação.
O QUE DEVEMOS MEMORIZAR:
-Todas suas ações são condicionadas por suas decisões.
-É frequentemente a combinação de pequenas falhas que desencadeia más decisões.
-Sua consciência situacional, que melhora com a experiência, é o fator chave de suas decisões.
- A tomada de decisão de um
piloto é um processo mental que consiste em escolher ações mais
adequadas em face de uma determinada situação.
-Tomar uma decisão é um
processo de quatro etapas: definição do problema, analisar as opções,
escolher uma, verificar sua adequação, e reiniciar o processo: análise
do problema, etc…
-Seu comprometimento pessoal significa suas intenções e suas emoções que influenciarão sobre a qualidade de suas decisões.
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Publicado originalmente em “mentalpilote.com”. Tradução e reprodução autorizadas.