domingo, 28 de agosto de 2011

Adrenalina na Capital do Forró !


Manhã de domingo. O Citation inicia a decolagem, tendo a bordo os dois aviadores e 6 integrantes de uma banda que fizera um show na noite anterior.
O aeródromo não é controlado. A operação é visual e no rotaer, a primeira observação:
  • OBS ACFT e planadores em FLT de instrução nas VCY.  
 ... e nas vizinhanças, muito próximo, havia um monomotor de instrução. Pousando !
Os aviadores do jato, face ao valente treinador, torceram para que ele não resolvesse arremeter, e por já estarem sem V1, resolveram voar, acreditando que a tal da VMCA existe mesmo, e que os motores os levariam até a V2...




Santos=Dumont e todos os santos não vetaram a proposta tecnica/artística de caráter urgente-urgentíssimo...













É de prender a respiração, não ?











Isto não é brincadeira !

Os aviadores envolvidos certamente compreenderão esta minha abordagem, sem juízo de valor e de caráter exclusivamente educativo, para chamar a atenção para um dos grandes riscos da aviação atual:

RUNWAY INCURSION (entrada não autorizada da pista em uso)

Faz parte do esforço de Prevenção de Acidentes Aeronáuticos, o estabelecimento de defesas, conforme o modelo de James Reason, abaixo:

 As defesas são justamente para tentar diminuir os erros e coibir as violações (ações intencionais de transgressão).

O que aconteceu no caso noticiado pela imprensa, e que certamente se constitui hoje em um Incidente Aeronáutico, nas mãos do CENIPA e da ANAC, conforme atesta o jornalista, deve gerar algum ensinamento para aumentar o alerta situacional dos operadores.

Um fator complicador nesta ocorrência, é o fato da pista 31 ter seu comprimento útil reduzido por ter sido construída uma casa nas proximidades. Os aviadores do Citation precisam de mais pista para decolar, e sua opção pode ter sido conflitante com a dos aviadores da aeronave de instrução, que utilizam diariamente o aeródromo, e sua consideração leva mais em conta o vento (se calmo no momento, o predominante) para os pousos/decolagens, porque o comprimento da pista não é crítico para eles.

Eis as restrições do ROTAER. Você faria uma decolagem crítica da pista 13, sabendo que tem uma casa na proa ?
  • c. OBST montado (casa) DIST 101M da THR 31, AZM 130DEG, ELEV 1848FT.
  • d. RWY 31 FST 112M CLSD devido OBST
Para quem não é da aviação: O ROTAER é uma publicação oficial que lista as características de todos os aerodromos do Brasil. As restrições acima dizem que existe (foi construída) uma casa, a 101 metros do início da cabeceira da pista, alinhada com ela, de forma que a rampa de aproximação para o pouso deve ser realizada 112 metros DEPOIS de seu início, ou seja, foram inutilizados 112 metros da pista porque os aviões alguém construiu uma casa -  e a Prefeitura deixou que o patrimônio público do município fosse deteriorado por isso...
Cadê o Plano Diretor da Cidade de Caruarú ? As construções irão inviabilizar o aeroporto ?
Mas, também supondo, acho muito provável que o Instrutor e o Aluno do Paulistinha estejam neste momento com  ICA 100-12 em mãos, com os seguintes itens grifados:
10.13 ORDEM DE PRIORIDADE CORRESPONDENTE ÀS AERONAVES QUE CHEGAM E QUE PARTEM
10.13.1 Uma aeronave que estiver pousando ou se encontrar nas últimas fases de uma aproximação final para pousar, terá, normalmente, prioridade sobre uma aeronave que estiver prestes a partir.
 Afinal, os regulamentos são a primeira defesa para minimizar os riscos de acidentes aeronáuticos.

Como latinos que somos, ocorre que tendemos a chamar o rico de doutor, de bajular (ao invés de cobrar) as autoriades e achar que a prioridade sempre é do carro mais novo, bonito e caro, ou do avião maior, mais rápido, mais caro...

Com uma aeronave no circuito de tráfego, em aeródromo não controlado e sem contato rádio, a aeronave no solo com intenção de decolar, não deve entrar na pista em uso antes do pouso daquela voando. Não sei se foi isso que ocorreu !

E se o monomotor realizou uma aproximação direta?  É obrigatório a realização do circuito de tráfego em aeródromos sem Torre de Controle... Também desconheço se foi realidade !

Tudo bem, o tráfego aéreo aumentou, o paulistinha voando é lento, fica difícil visualizar uma aeronave pequena no circuito de tráfego, o vôo é de instrução, mesmo e eu tenho pouco combustível e preciso decolar AGORA !

Eu discordo, em nome da Segurança Operacional.

A mensagem final é que são muitas as variáveis que podem levar a uma ocorrência dessa natureza. Não foi intencional, é quase certo. Também dificilmente pode-se considerar que alguém tenha cometido alguma negligência ou violação. Só com uma investigação profissional acurada é que poderão ser conhecidos e analisados todas as variáveis.

Meu objetivo é aumentar o alerta situacional dos aviadores que me honram com a leitura deste artigo, e esclarecer um pouco os aficcionados e curiosos sobre o tema, que me prestigiam com sua leitura.

... mas a casa atrapalhando a pista ...

Fly Safe - Voe com Segurança !









segunda-feira, 22 de agosto de 2011

Flutuadores de emergência em helicópteros

 Dois nobres aviadores e seus dois passageiros se perderam nas águas do oceano Atlântico, cerca de 100 km da costa brasileira (Macaé - RJ), em um helicóptero Agusta-Westland 139, prefixo PR-SEK, dia 19 deste mes. Meus sentimentos e respeito à memória das vítimas fatais.
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Não pretendo comentar a respeito de "causas" e muito menos sobre "culpas" sobre este fato. Caso tenha sido este o motivo de seu interesse em ler este post, pode parar por aqui.
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Várias pessoas questionaram-me a respeito dos flutuadores de emergência, que são equipamento obrigatório instalado nos helicópteros engajados em operações offshore.
* Vôo off-shore (fora da linha da costa, em tradução livre), é a designação genéria para as operações aéreas realizadas entre o litoral e embarcações e/ou plataformas de prospecção de petróleo no mar.
1) Serve para quê ?
- Obviamente, para impedir que o helicóptero afunde na água, caso seja obrigado a realizar um pouso de precaução ou forçado devido a uma emergência a bordo. Geralmente problemas com fogo a bordo; inoperância de sistemas de controle de vôo ou rotor de cauda; falta de combustível e outros, a critério do aviador responsável pela aeronave;

2) Como é inflado ?
- Existem garrafas contendo nitrogênio ou outro gás inerte ligadas aos flutuadores, que são fixados na parte inferior do helicóptero, com quantidade de gás suficiente para inflar os flutuadores (são em numeros pares, a partir de 4 unidades). As garrafas são abertas elétricamente, acionadas por um botão existente nos comandos de vôo do helicóptero. Existem dois sistemas independentes para a abertura, diminuindo a possibilidade de falhas. Demora cerca de 3 segundos todo o processo (veja o filme).

3) Os ocupantes do helicóptero podem permanecer no helicóptero flutuando ?
- Não. O sistema é garantido por algumas horas, somente. Visa permitir que os passageiros desembarquem para os botes, que são equipados para assegurar a sobrevivência até a chegada do socorro. O helicóptero com flutuadores pode virar (emborcar) caso as ondas sejam altas, ou o vento forte.

4) Quando o(s) piloto(s) inflam os flutuadores, caso necessitem pousar na água ?
- Com altura e velocidades baixas (menos de 130 km/h - 70 kt). Os flutuadores inflados alteram as características de vôo do helicóptero. E existe o risco de, em altas velocidades, desprender-se partes (dos flutuadores) durante o processo de enchimento, atingindo a aeronave.

5) Se os aviadores verificarem, após o pouso n'agua, que o helicóptero pode voltar a voar, eles poderão decolar novamente ?
- Diferentemente do que se vê no filme, que apresenta várias demonstrações, na operação normal é quase impossível uma nova decolagem, e por isso, não é considerada como possibilidade nos manuais da maioria dos helicópteros. Em um pouso de emergência real na água com flutuadores, o rotor de cauda tem grandes chances de ser danificado.


sábado, 20 de agosto de 2011

E se o xixi te mandar prá cadeia ?

 ... era uma vez !

A tripulação de cabine checou o interior da aeronave e informou ao comandante que todos os passageiros estão sentados com cintos afivelados, que os encostos das poltronas estão na vertical, que não existem objetos soltos na cabina de passageiros, que as portas estão fechadas, escorregadeiras armadas e os comissários de bordo estão em seus postos, prontos para cumprir com os procedimentos de emergência, caso necessário.

Resumiu-se num "cabine okey !"

A aeronave está se deslocando, próximo da pista para iniciar a decolagem e... Um passageiros se levanta e vai em direção ao toalete !

O comissário (a) de bordo mais próximo não hesita em reconduzí-lo de volta ao seu assento. Outro, de prontidão, está prestes a se comunicar com o cockpit para informar aos pilotos da violação na cabina...

Ah, logo reconhecem o ator famoso. Meio velhinho, mas ainda reconhecível. Deixa ele. Ele deve estar com problemas na próstata e só vai dar uma mijadinha...

O avião entra na pista e inicia a corrida de decolagem. O ator de antigos sucessos está aliviado e começa o seu retorno ao assento.

V1. Um segundo antes, o "pilot monitoring" (pilot not flying) observa a oscilação nos parâmetros de um sistema importante do avião e alerta para a pane. O Pilot flying responde com FULL BRAKES, e demais procedimentos de interrupção da decolagem.

O passageiro mijão é jogado para trás com a desaceleração, e pouco ágil devido à idade, na queda bate com a nuca violentamente e tem uma concussão cerebral que o deixa desacordado.

O avião para normalmente na pista, e é solicita reboque imediato para o pátio, porque não tem condições de realizar o taxi.

Os comissários de bordo realizam os procedimentos de primeiros socorros, cuidando do passageiro ferido. O médico não tem condições de entrar no avião imediatamente. Uns cinco minutos se passam até que o avião chegue ao pátio e o passageiro ferido seja removido para a ambulância e seguir para o hospital.

Ocorreu uma complicação médica, e o passageiro morreu no hospital dez dias depois.

RESULTADO:

  1. Caracterizou-se um ACIDENTE AERONÁUTICO*;
  2. A tripulação ficou à disposição da autoridade POLICIAL para prestar depoimento;
  3. A autoridade POLICIAL verificou que os procedimentos de segurança não foram executados, e INDICIA TODA A TRIPULAÇÃO POR HOMICÍDIO CULPOSO (sem intenção de matar), frisando que o(a) comissário (a) mais próximo foi decisivo em sua omissão que provocou a morte do passageiro.
  4. A família do falecido ator, após muitas entrevistas emocionadas, entra com ação de perdas e danos contra a empresa de aviação, contra o fabricante da aeronave, dos motores e contra o administrador do aeródromo, pleiteando "trocentos" milhões de dinheiro !
  5. "ispicialistas" em segurança de vôo aparecem na mídia, destilando seu profundo conhecimento e aumentando a audiência;
  6. A empresa fica obrigada pela Autoridade Aeronáutica a reciclar todos os seus 4823 comissários de bordo e 1796,5 aviadores, a respeito do "procedimento de interrupção suave de decolagem com a presença de passageiro mijão a bordo";
  7. O fabricante da aeronave desenvolve um projeto, e instala um sensor de movimento, que acende luzes no cockpit, e uma voz feminina afirma em voz rouca: PAX Pissing...
  8. O preço das passagens aéreas sobem; 
  9. Os administradores de aeroportos estudam incentivar a instalação de lojas que vendam fraldas adultas XGG nas salas de embarque;
  10. Os advogados estudam processar todas as empresas aéreas que quiserem repassar custos adicionais de prevenção de acidentes aeronáuticos aos passageiros;
  11. Você acorda. Foi só um pesadelo. Toma um banho e veste seu garboso uniforme de aeronauta, pega a mala e sai para mais um vôo, e pensa:
- Espero que não apareça nenhum passageiro querendo mijar fora de hora no meu avião.

"Este post não se refere a Gerard Depardieu, ou a qualquer outro passageiro, arrogante ou não, que acha que dentro de um avião tudo pode. Se achou parecido com fatos reais ou imaginários publicados recentemente, enganou-se. Ou não, como diria o cantor."

*ACIDENTE AERONÁUTICO (definição parcial):  
"Toda ocorrência, relacionada com a utilização de uma aeronave, que ocorre dentro do período compreendido entre o momento em que uma pessoa entra a bordo da aeronave, com intenção de realizar um vôo, e o momento em que todas as pessoas desembarcaram, durante o qual a) qualquer pessoa sofra lesões fatais por achar-se dentro da aeronave ... (...)
Observação: Feridos que venham a óbito dentro de 30 dias após a ocorrência, serão considerados também como vítimas fatais do acidente."

domingo, 7 de agosto de 2011

Poema e realidade

Você conhece alguma profissão que depois de formado tem checada sua proficiência todo ano, na teoria e na prática; E a cada 6 meses é checada se vc ainda tem saúde para exerce-la?
- Não conhece?
Cmte Simone (1º plano) e Cmte. Mari
-E ntão saiba que a carreira de piloto é um eterno teste: somos testados anualmente se ainda sabemos a teoria para voar, e se na prática ainda sabemos voar: 
- Vem uma pessoa (checador) que nunca entrou no tipo de aeronave que você voa a anos, e diz (julga) se você ainda sabe voar; faz perguntas que (ele) não sabe do que se trata e ainda pode lhe tirar o direito de ter um trabalho digno; 
- E se isso não bastasse depois que você adquire uns certos cabelos brancos, lá em torno dos 40 anos de idade, te obrigam a fazer um check-up geral a cada 6 meses pra ver se você ainda ouve, se ainda enxerga, se o coração ainda bate no ritmo, se ainda tem dentes pra comer, se a pressão ainda é suficiente pra fazer tudo funcionar, se o teu sangue ainda lubrifica as coisas direito, enfim se você continua um bebê....
- Se você pensa em ser piloto, (saiba que) essa história que piloto não estuda, esquece! Estuda e muito! 
- Se você pensa que a vida de piloto é só viagem e que piloto vive nas nuvens, esquece tambem: nem sempre a viagem é agradável e as vezes as nuvens são bem carregadas... 
 "Pouso no navio:
assim separam-se crianças
das (aviadoras) adultas "

(Tente localizar o helicóptero na final para pouso no navio.)
 


...mas eu não troco essa vida por nada, amo de paixão!! 

Fly safe! (voe com segurança)


Este texto é de autoria da Cmte Simone S. Vaz, que voa helicópteros na Bacia de Campos (Macaé), fazendo transporta aéreo e aeromédico em empresa contatada pela Petrobrás.Grande aviadora, atualmente comandante de AW 139 (vide fotos).Foi adaptado por mim para facilitar a diagramação no blog.O link para o perfil dela no facebook está no nome dela, no início deste post.