quinta-feira, 16 de junho de 2011

Planando à noite em um Boeing 747, sobre o Oceano Índico


Era um vôo rotineiro e tranqüilo, e o Jumbo 747-236B, matrícula G-BDXH (City of Edinburgh) da British Airways fazia o vôo 9 (BA flight 9), que havia se iniciado em Londres. Decolara da escala em Kuala Lampur cinco horas atras, e sobrevoara havia pouco a capital da Indonésia, Jacarta a 37 mil pés, com destino à Pert, na Austrália. Depois prosseguiria para Auckland  na Nova Zelândia.  

G-BDXH (City of Edinburgh)
Haviam 263 pessoas a bordo.

A data era 24 de junho de 1982, e se passavam pouco mais de 30 minutos das 20 horas (local), ou 13h UTC.
Seu comandante, Eric Moody e sua tripulação não sabiam (a informação não estava disponível), que o vulcão Galunggung, situado a 110 milhas a sudoeste de Jacarta havia entrado em erupção seis horas atrás, lançando enorme quantidade de gases e cinzas no céu que eles iriam cruzar em sua rota.

Nada aparecia no radar meteorológico do avião, e o comandante Eric saiu para esticar as pernas, quando notou um cheiro parecido com fumaça de fiação elétrica, o que o fez retornar imediatamente para o cockpit.
Ao entrar no cockpit e ocupar seu assento, era visível o “fogo de Santelmo” em todo o parabrisas. Enquanto questionava a tripulação a respeito do cheiro  observava estranhas minúsculas partículas brilhantes contornando o nariz do avião.
O motor #4 apagou !
Foram iniciados os procedimentos de falha de motor, enquanto também ocorria o flame-out do motor #2, seguido poucos segundos após pelo #3 e pelo #1. O Mecânico de Vôo disse o óbvio:
- Desculpem, mas perdemos todos eles ! Era 13h42’ UTC (20h42’ local).
O Comandante estabeleceu o drift down (descida forçada) e tomou a proa inversa para Jacarta; O Primeiro Oficial declarou pelo rádio a emergência enquanto o Mecânico de Vôo tentava reacender pelo menos um motor (flight start).
O rádio transmitiu com muita estática, e a mensagem de emergência não foi entendida pelo controle de tráfego aéreo de Jacarta, sendo então  retransmitida incompleta (pela dificuldade de compreensão) por outro avião, que entendeu que somente o motor #4 do G-BDXH havia se perdido, e não seus 4 motores.

Tinham eles 23 minutos para pousar (no Oceano Índico), caso nenhum motor voltasse a funcionar.
A aeronave despressurizou pela falta de ar vindo dos motores agora inoperantes,  as máscaras para os passageiros caíram como previsto, e a tripulação também usou as suas. Não houve pânico entre os passageiros, quando o Cmte Eric dirigiu-se aos passageiros pelo interfone com esta mensagem:
"Ladies and gentlemen, this is your captain speaking. We have a small problem. All four engines have stopped. We are doing our damnedest to get them under control. I trust you are not in too much distress."
"Senhoras e senhores, quem fala é o comandante. Temos um pequeno problema. Todos os nossos 4 motores pararam, Estamos fazendo o máximo para controlar esta situação. Acredito que o perigo não é muito grande para vocês."

Os pitots (sim, os pitots !) estavam parcialmente entupidos, e havia uma diferença de 50 kt nos velocímetros. O Comandante optou por acreditar estar voando na velocidade média entre eles, por não ter como saber qual era o mais acurado, e usou a razão de descida como parâmetro de controle.
Ainda descendo, e próximo de 12 mil pés, o motor #4 foi recuperado, mas não teria potência suficiente para manter a altitude mínima de 10500 pés necessária para ultrapassar o terreno montanhoso entre eles e o aeroporto.

Teriam que amerrisar. Eram 20h56’ hora local.

O motor #3, logo seguido pelo #2 e #1 foram também recuperados, mas prosseguir para o pouso em Jacarta era o óbvio, já que a continuação do vôo seria temerária sem uma avaliação do ocorrido.
O motor #2 começou a apresentar estol de compressor, e foi desligado.
Ao fazerem o procedimento de aproximação por precisão (full ILS), descobriram que a indicação de rampa (glide) não aparecia, e foi utilizado somente o indicador do eixo da pista (localizer), combinado com o DME. Apesar da visibilidade ser total, os parabrisas estavam cobertos quase que completamente de cinzas, e a visualização da pista só pode ser feita pela junção do vidro com a coluna central, que ficou relativamente transparente.
O pouso foi realizado normalmente, mas a falta de visibilidade impedia o taxi, e o avião teve que ser rebocado para o pátio.
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Não houve vítimas neste vôo, para decepção de alguns editores que deixaram de ter uma forte chamada para “vender” a notícia.

Tripulação do British Airways flight 09 após o pouso em Jacarta

Os motores ficaram completamente inutilizados, e os peritos que os examinaram entenderam que o reacendimento só foi possível porque o vidro criado pela fusão da sílica das cinzas no interior do motor, solidificou-se com a brusca diminuição de temperatura durante a descida, sendo quebrados e expelidos das aletas da turbina no processo de reacendimento.
Os tanques de combustível tiveram que ser descontaminados, porque entraram partículas pelos “surge tanks” (sistema de ventilação) e todo o sistema de pressurização também teve que ser reparado.

Este avião foi rebatizado pela tripulação de "Flying Ashtray" (cinzeiro voador) e entrou para o Guinnes Book of records, pela distância voada planando, e só foi superado em agosto de 2001 pelo A330 C-GITS  da Air Transat, que voou 65 NM sem motores, e pousou numa base aérea nos Açoures, por ter ficado sem combustível devido a um vazamento nos tanques.
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Conclusão: Uma tripulação bem treinada pode “solucionar” condições bastante desfavoráveis em vôo, e conseguir um resultado final sem vítimas e muita história para contar.
                               Pessoalmente.


Como o fez o Comandante Eric Moody na 2ª Conferência Internacional sobre Cinzas Vulcânicas e Segurança de Vôo, ocorrida em 2004 nos Estados Unidos da América do Norte.
Fontes:

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